Uma festa muito estranha (i)

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Ele retornou ao lar por volta das três e meia da madrugada. Cansado, suado, fedendo a cigarro e a bebida e com a calça jeans suja de grama. Trocou aquela roupa impregnada com o odor da noite por um pijama mais confortável, matou a sede com alguns copos d’água, então se sentou defronte para o notebook, ligou-o, acessou o Windows Live Messenger, aquele programa da Microsoft antigamente chamado de MSN, e no instante em que seu status foi mudado de offline para online, foi abordado por uma amiga, Coraline.

— Isso lá é hora de estar acordado, menino?! — brincou.


— Bom, ah, dia? É. Bom dia para você também, mana.


— Bom dia — retribuiu. — E aí, como foi lá na festa?


— Oh, bem... Por onde começar?


— Que tal pelo começo?


— É... O começo sempre é um ótimo lugar para começar — disse. — Pois bem, tudo começou há...


***

Tudo começou há seis anos quando eu ainda fazia curso de Inglês junto com meu primo, Yanzinho, no Yágizi lá no bairro do Marco, naquela época eu conheci uma menina com quem nunca falei muito, a Marina. Cinco anos mais tarde, no cursinho, eu e outro primo, João, conhecemos um cara legal, Laércio, que era amigo daquela menina, estudaram no mesmo lugar, a Escola Tenente Rêgo Barros.

Ao passar de um ano, a Marina entrou no Orkut e levou um susto quando fuçou o perfil do Laércio: deu de cara com a minha foto no quadro de “Amigos” e soltou um grito, algo como “Eu estudei com esse menino!”, daí ela me mandou um recado, eu mandei outro, começamos a conversar, trocamos MSN, construímos uma amizade com seis anos de atraso e, eventualmente, ela me convidou para o aniversário de um amigo dela, eu não sei exatamente o nome do “seu” menino em questão, mas creio que seja João. Ou não.

Sábado. 14 de agosto. Um dia adorável. Estudei Filosofia e Sociologia. Morri de rir ao assistir pela enésima vez Ace Ventura: Um Maluco na África, procurei no YouTube as lutas do icônico Rocky Balboa e daí me levantei para ir tomar um banho, eis que minha sorte começou a mudar: ao ficar de pé, empurrei a cadeira para trás, fazendo-a colidir com o banquinho no qual jazia o ventilador — o ventilador caiu e, assim como o anel de vidro da Cirandinha, se quebrou. Em mil pedaços.


Tudo bem, não em mil pedaços, mas em vários pedaços. Eu esquadrinhei a casa em busca das benditas peças, eu as encontrei, daí montei de novo o eletrodoméstico e então percebi estar faltando uma parte essencial: aquele botãozinho que determina se a cabeça do ventilar fica parada, ou girando em π radianos (uma maneira mais chique de dizer “180°”).

Eu sou calorento. Muito calorento, na verdade. Portanto, um ventilador que fica girando para lá e para cá é um tanto inútil para mim, então o que fiz? Fiquei de quatro...


***

Coraline riu.

— Caramba, mana, mas que mente poluída, hein!


— Ah, tá. Como se você pudesse falar isso...


— Minha mente nem é poluída. Eu sou uma pessoa de mente pura.


— Pura sacanagem.


— Detalhes, detalhes! Posso continuar a “vender o meu peixe”?


— Pode, pode.


— OK, muito bem, eu fiquei de quatro...


***

Fiquei de quatro no chão, procurei pelo bendito pino no meu quarto e na sala de estar, olhei para o céu de um jeito suplicante e implorei ao Grandíssimo — Son Goku, não o Leonid Stadnik — para que o cachorro, um schnauzer de pelo preto, não tivesse achado o pino antes de mim e, por sua vez, o mastigado até transformá-lo em pó.

Bem, se o cachorro encontrou, ou não, o pino, eu ainda não sei, pois tive de dar uma pausa na minha jornada quando escutei o primeiro trecho da música Kashmir (do Led Zeppelin) — Oh, let the sun beat down upon my face — indicando que alguém estava a me ligar, no caso, este alguém era o Pedro, um dentre os meus sete melhores amigos e que completaria seu vigésimo primeiro aniversário no outro dia, 15 de agosto, feriado de Adesão do Pará à Independência.


— Eduardo, camarada, tudo bem?


— Tudo, mano. E com o senhor?


— Tudo bem também. Ei, está em casa?


— Sim, sim.


— E o que está fazendo?


— Eu estava indo tomar o meu banho.


— Ah, tá... É que eu estou aqui na frente da tua casa.


***

Coraline soltou uma indagação. — Ué, mas você não estava procurando o pino?

— Tecnicamente, eu estava indo tomar o meu banho, o incidente do pino foi só um pequenino desvio.


— Tá, né, se você diz... Continue, continue.


***

Eu larguei o celular e fui receber o Pedro, notei que ele havia trocado de carro outra vez, agora era um de cor prateada, ele desceu do carro e veio andando em minha direção, fez sinal para a pessoa no banco do passageiro, essa pessoa era sua namorada, Natália, a qual eu somente havia visto uma vez na vida até então — quatro anos atrás quando fui dar uma ajudazinha ao Pedro em Química.

Eles atravessaram o portão, eu falei que era melhor nos cumprimentarmos apenas com um aperto de mão, afinal, eu estava com aquele pijama desde a noite anterior e, bem, você sabe o que acontece nessa situação... O casalzinho, no entanto, dispensou meus avisos e me cumprimentaram com um abraço fraterno (Pedro) e beijinhos no rosto (Natália).


Convidei-os para entrar e se sentar, contudo o meu amigo barbudo dispensou o convite, dizendo que era uma visita de médico, tinha passado apenas para me convidar para sair naquela noite e comemorar o seu aniversário, disse ter convidado também outros de nossos amigos, e avisou que a Natália ia junto.


Eis que houve um estalo na minha mente e eu aproveitei o momento para unir o útil ao agradável: um dos lugares preferidos do Pedro em Belém é o D’o Pará Bar lá no bairro do Umarizal e, coincidentemente, era lá em que começaria o aniversário do amigo da Marina (referir-me-ei a ele dessa maneira a partir de agora), então sugeri ao meu amigo do Partido Popular Socialista (PPS) para irmos ao D’o Pará por volta das nove da noite, ele aceitou a sugestão de imediato, despediu-se com outro abraço e foi embora com a namorada para sei lá onde.


Abandonei por completo qualquer esperança de encontrar o pino, rumei para o banheiro, tomei um banho merecido e demorado de quarenta e cinco minutos, vesti-me com uma camisa desbotada do Sepultura e uma bermuda preta tão desbotada quanto e daí segui para a Y. Yamada perto daqui de casa para (a) comprar o presente do Pedro, (b) comprar um desodorante, (c) comprar uma camiseta preta e (d) comprar um ventilador novo para a vovó.

Eu e o Pedro temos duas grandes semelhanças: conhecimento político e um alto teor de safadeza, como eu não encontrei O Manifesto do Partido Comunista, optei seguir na outra direção e comprei um exemplar do Kama Sutra, um presente que seria agradecido tanto por ele quanto pela Natália. Comprei o desodorante na farmácia, a camiseta preta na ala de roupas e o ventilador na parte de eletrodomésticos. Fui a pé para casa com todas as sacolas em mão, uma vez ou outra quase tropecei nos meus próprios pés e por um centímetro não esbarrei na filhinha de uma das vizinhas.


De volta ao meu lar, recebi uma ligação da Marina no celular, perguntando se eu queria que ela comprasse o meu ingresso para o Café com Arte...


***

Ainda que ele e Coraline estivessem separados por uma distância de quilômetros, ele sabia perfeitamente que a amiga, ao ler o nome Café com Arte, produziu uma expressão de espanto no rosto.

— Café com Arte? Aquele Café com Arte? — perguntou. — Café com Arte da Rui Barbosa? O mesmo lugar em que você quase...


— Yep. Esse Café com Arte mesmo.


— Mas a festa não ia ser no D’o Pará?


— Não, a festa ia começar no D’o Pará, o resto seria no Café com Arte.


— Mas você odeia aquele lugar!


— Sim, eu odeio.


— Então por que concordou em ir para lá, criatura?


— Porque ia ter um troço giratório, sabe. Um troço em formato de círculo em que você prende seus braços e pernas e começa a girar numa velocidade alucinante... Eu não podia perder isso!


Coraline começou a rir. — Você tem o que, doze anos?


— Ah, mana, eu já te contei isso: todo e qualquer homem não evolui quanto à mente a partir dos doze anos.


— Todos os homens são punheteiros que curtem Dragon Ball Z e Raimundos?


— Basicamente. É. É.


— Acho que vou virar lésbica, parece ser o único jeito de ter um relacionamento maduro.


— Você ia detestar. Afinal, 90% da tua diversão é derivada da minha falta de bom senso, imaturidade e ideias estrambóticas.


Ela ficou em silêncio por alguns segundos. — OK, isso é verdade. Enfim, continue com a tua saga.


— Certo.

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