Uma festa muito estranha (ii)

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Eu disse a ela para comprar o meu ingresso e que a pagaria depois, ela concordou e então me ameaçou de morte caso eu não aparecesse por lá. Desliguei o celular e acessei o MSN, falei com uma amiga da Marina, Tuani, para confirmar se o esquema, isto é, primeiro ir ao D’o Pará e depois ao Café com Arte, ela confirmou, mas disse que iam antes ao Café para comprar os ingressos com um desconto de cinco reais (o preço normal era vinte) e até me perguntou se eu queria que ela comprasse para mim, eu agradeci e disse que a Marina já ia fazer isso, então ela se despediu e foi se arrumar para sair.

Eu também fui me arrumar, coloquei uma calça jeans, o meu tênis All-Star preto (aquele que você escolheu anos atrás), um cinto idêntico ao que eu tinha roubado da minha noiva ano passado, a camiseta preta recém-comprada e uma camisa que obtive em uma loja filiada aos irmãos Cavalera, Max e Igor. Antes que você pergunte, eu só estou descrevendo a minha vestimenta para a ocasião porque sei perfeitamente que você me perguntará sobre isso depois, então...

Então fiquei sentadinho no sofá, esperando pelo Pedro, minha carona, e dando ibope para a Rede Globo, papai ficou enchendo a paciência dizendo que a minha saída tinha “miado” (incrível como ele conhece essa gíria) porque estava caindo um aguaceiro de proporções bíblicas e isso e aquilo, no final, o Pedro apareceu aqui com quarenta e sete minutos de atraso, eu dei “Tchau!” para todo mundo e entrei no carro, precisamente, no banco detrás.


Nós — eu, Pedro e Natália — conversamos sobre política e Vestibular durante o trajeto, até fiquei de marcar um dia para eu e a Natália, que quer fazer Engenharia de, de, de... OK, eu admito não lembrar qual tipo de Engenharia ela quer, enfim, nós ficamos de marcar para estudarmos juntos e ajudar cada um com suas fraquezas.


Pedrinho estacionou o carro naquele posto no finalzinho da Senador Lemos, eu entreguei o presente para ele, que me agradeceu, mas não abriu — uma pena, eu gostaria de ter visto a reação dele —, então descemos do carro e fomos para o caixa eletrônico onde aconteceu o primeiro revés da noite: a máquina insistia em não reconhecer nem o cartão nem a senha do Pedrinho, em outras palavras, nada de pegar dinheiro.


Bem, era aniversário dele e eu tinha dinheiro suficiente para gastar conosco, disse que ia cobrir nossos gastos naquela noite, Pedro e Natália aceitaram, embora com um tanto de relutância, a minha proposta, daí finalmente seguimos para o D’o Pará, pegamos uma mesa embaixo de uma das caixas de som, eu comprei duas fichas de bilhar e, ao me virar, dei de cara com a Marina, eu a abracei e troquei beijinhos na bochecha, falei que ia me juntar ao grupo dela dali a alguns instantes.


— Tá, eu tô te esperando — ela acenou para o casal e retornou para sua mesa.


***

Coraline, uma vez mais, interrompeu a narração de seu amigo. — Um minuto, por favor!

— O que é, amor da minha vida?


— Essa será mais uma daquelas histórias em que você quebra o artigo número três do Código dos
Manos?


— Não, não. Única menina no mundo capaz de me fazer quebrar essa parte do Código é você.


— Ótimo. Eu gosto dessa exclusividade.


— E eu gosto de brincar com você durante essa exclusividade...


— Felipe, por favor... São quatro da madrugada. Não é hora para flertar.


— Está falando sério?


— Não, só estou falando isso pelo bem das aparências.


— O que funcionar para você, mana... Pois é, como eu estava dizendo...


***

Eu coloquei uma ficha, entreguei um taco para a Natália e fomos jogar bilhar, é claro e óbvio que minha ruindade continua inalterável desde quando você, amor da minha vida, me trocou por Varginha, por isso ela passou a maior parte da partida me dando uma surra, ocasionalmente, porém, a Dama da Sorte sorria para mim e me fazia pôr algumas bolas na caçapa.

De tão agoniado com a lentidão da nossa partida, o Pedro resolveu se meter no jogo, dando assistência ora para mim, ora para Natália, no final, o jogo terminou comigo indo ao banheiro e o Pedro tomando meu lugar, venceu ao colocar a bola número treze na caçapa, eu o agradeci do fundo do coração por ter me concedido a vitória e avisei que ia falar com o pessoal da Marina, o qual estava naquele momento na calçada em frente ao bar, fumando seus cigarros.


Inseri-me no grupo na maior cara de pau, fui apresentado ao pessoal, já conhecia a Tuani, reconheci vagamente dois indivíduos, Felipe e Luís, me lembrei da Mirna, que era namorada do xará, como sendo “a menina com quem meu primo teria ficado caso não estivesse de rolo com outra cidadã” há alguns anos e descobri que o namorado da Tuani, Renan, fazia parte de uma banda cujo nome não me era tão estranho, certamente alguém havia me falado do grupo em algum momento do passado.


Pedro me avisou que ele e a Natália iam buscar o Jorginho (também chamado de “gigantesco mano satânico”) em sua residência, ao mesmo tempo uma porção do pessoal da Marina se afastou para um lugar desconhecido por mim para, ah, como eu posso dizer isso? Ah, sim! “Dar um ‘alô’ para a namorada do Peter Parker”. E não, eu não estou me referindo à Gwen Stacy, mas aquela que vive chamando-o de “tigrão”.


Assim ficamos conversando eu, a Marina, o Luís e a Mirna acerca da menina com quem um dos amigos deles estava ficando naquele momento. Sabe, vocês, mulheres, são muito cruéis: elas destroçaram a menina que, eu devo admitir, não era lá uma Zooey Deschanel da vida, ou mesmo uma Ellen Page, mas, enfim, o cara tinha escolhido-a e, bem, elas deveriam ficar felizes por ele ter alguém, puxa! Daí duas coisas aconteceram: o Luís, um cara muito simpático, apontou que nós, homens, não prestamos atenção em roupa de mulher e a Marina me perguntou quem eu achava mais bonita: ela, ou a ficante do amigo dela.


***

Como você, caro leitor, deve ter notado, Coraline fez outro comentário. Ou melhor, outros dois comentários. — Duas coisas: (1) isso é mentira, ao menos no teu caso: você vivia reparando e opinando na minha roupa...

— Ah, mas as coisas são diferentes contigo, ora...

— (2) Pelo amor do frênulo da minha língua, diz que você usou uma manobra evasiva para escapar da pergunta e não disse que a tua amiga era mais bonita!


— Não me faça perguntas e eu não te direi mentiras.


— Felipe, você é uma esponja. Preciso te lembrar da Raffaela?


— Tua prima Raffaela, ou minha prima Raffaela?


— Minha prima Raffaela.


— O que tem ela? — as sinapses do narrador produziram um flashback. — Não, não, não, não, não, não, não, não, não, não. É uma situação completamente diferente, a tua prima não era minha amiga. Nunca foi. Tanto é que logo de cara eu olhei para ela e falei “Sabe, você é linda de morrer, ainda vou namorar contigo”. Então, por favor, amor da minha vida, tire esse pensamento da tua cabeça, não foi nada além de uma pergunta e uma resposta/opinião, OK?


— OK, a vida é tua, viva-a como quiser.


— Amém.


***

O pessoal voltou das partes desconhecidas e se juntou ao nosso quarteto, daí o grupo foi para a mesa, atrapalhando a felicidade do “seu” menino lá e da sua ficante, sentei entre a Marina e a Tuani e de frente para o Luís e nesse momento eu finalmente descobri de onde eu o conhecia: era o Luís, amigo do Laércio! O rapaz que havia ido ver 2012 comigo, com o Laércio e com o João, meu primo. Nós apertamos as mãos, nos reapresentamos e ficamos a conversar. Ele falou ter lido e gostado dos meus contos e comentou admirar profundamente o Laércio, o qual também é um cara legal. Por sinal, a maneira como ele descreveu a admiração que sentia para com o nosso amigo marinheiro fez-me lembrar de mim quando estou falando do grande mano esbranquiçado.

Alguém notou a solitária pulseira que a Amanda, irmãzinha de dezessete anos do Leandro, havia me dado como lembrança das nossas safadezas, a Tuani tentou me fazer inveja (de brincadeira) ao mostrar as cinquenta mil pulseiras do mesmo tipo que tinha no braço, em outra situação, eu até teria pedido para ela me dar uma, mas não, deixarei a pulseira da Amanda ser a única no meu braço para me lembrar de todas as vezes que nós arriscamos nossos pescoços e nos encontramos para brincar. Ela é uma boa menina. Eu, honestamente, espero que encontre um cara legal e digno dela.


Não muito depois disso, o Pedro e a Natália retornaram ao bar com o Jorginho, pedi licença ao povo da Marina e fui falar com eles, fiquei muito feliz ao reencontrar o gigantesco mano satânico após mais ou menos dois meses sem ter notícias dele, sentei-me à mesa dos meus amigos, pedi um refrigerante dietético e fiquei na companhia deles até dar a hora de ir para o Café com Arte.


O amigo aniversariante da Marina, um autêntico MacGuffin, optou ficar no bar enquanto que eu, Marina, Luís, Mirna, Felipe, Tuani e Renan — Renan, guitarrista da banda Alice no País das Mangas-Vivas! Descobri, afinal, onde havia visto tal nome! Isso mesmo: foi no Orkut! Meu primo, Erick, promoveu uma propaganda da banda! Uau! Belém realmente é um ovinho de codorna. Enfim! Continuando... Nosso hepteto rumou para o Café com Arte, eu, a Marina e o Luís pegamos carona com um amigo deles, creio que seu nome fosse Fábio, durante o caminho, contei com um ar nostálgico sobre aquele episódio glorioso — para não dizer o contrário — ocorrido na frente do Café com Arte há um ano, obviamente estou me referindo ao momento em que o namorado (na época) da Srta. Insegurança quase me espancou porque eu simplesmente falei com ela.


Bons tempos? Não mesmo.


Luís, Mirna e Felipe compraram seus ingressos — quem diria! O preço ainda era quinze reais! — e nós entramos no bendito Café com Arte. Qual minha impressão inicial do lugar? Formigueiro. Yep. Um formigueiro. De tanta gente que tinha lá dentro, nem quis imaginar como seria caso houvesse um incêndio...


Enfrentamos um empurra-empurra para alcançar o porão, ficamos lá por um tempo, escutando a música, balançando o corpo para lá e para cá, então demos uma volta pelo quintal apenas para descobrir que o troço giratório, principal motivo de eu ter ido aquele lugar de más lembranças, não estava lá e, por fim, retornamos ao andar de cima, abrindo um caminho entre as pessoas e achando um cantinho para ficar e dançar (não se preocupe, eu não encarnei nem o Vincent Vega nem o Tom Hansen).


Repentinamente, as palavras do Renato Russo ecoaram na minha cabeça — Festa estranha com gente esquisita / Eu não tô legal — e finalmente ter Eduardo como meu nome do meio fez sentido. Amor da minha vida, você não acreditaria na quantidade de gays e lésbicas por metro quadrado naquele lugar. Sério. Por um instante eu pensei ter ido a uma festa GLS — eu não sou preconceituoso, mas, caramba, é hipertenso ver dois guris se agarrando na minha frente.


A Marina e a Tuani piraram o cabeção com as músicas ao passo que eu, Renan e Luís (sim, nós o encontramos) ficamos apenas indo para lá, indo para cá, mexendo os braços de vez em quando e, no caso do Renan, aproveitando o fato de ter uma namorada bonita.


Como eu estava com duas camisas, por muito pouco não derreti dentro daquele formigueiro, comentei do calor com a Marina e nós fomos ao bar tentar pegar algo para beber, no caminho encontrei com três conhecidos: o Raul, o Renato e o Júnior, esse daí não conta muito porque, bem, eu não vou com a cara dele e fingi não tê-lo visto.


A gente ficou lá na fila do bar por algum tempinho antes de desistir e voltar para a boate. Fila muito grande e, aparentemente, imóvel. Não tinha como aguentar. Na hora em que estávamos conseguindo voltar para o nosso cantinho, encontramos os amigos da Marina saindo de lá, nós giramos nos calcanhares e seguimos a trilha deles quando, do nada, eu escuto um grito.


— Felipe!


Eu parei, olhei para a esquerda e encontrei a fonte do grito: era o Andrius. Eu já te falei dele, é o atual namorado da Júlia, ex-namorada do grande mano esbranquiçado. Pois então, apertamos as mãos, ele me disse que a Júlia tinha descido para fumar e falou para eu ir lá com ela, como eu tinha me separado do grupo da Marina, concluí que o melhor a fazer era exatamente ir atrás da minha tribo, muito bem, enfrentei bravamente aquele fluxo de pessoas que desciam e subiam as escadas, abri um caminho em direção ao quintal, olhei ao redor e nada de encontrar a Júlia, o que fiz então? Peguei o celular e liguei para ela.


Em uma grande ironia do destino, no momento em que coloquei o celular perto do meu ouvido, virei à cabeça para esquerda, desse modo, colocando a Júlia, a Juliana, ex-namorada do pequeno mano messiânico, o Felipe e a Mirna no meu campo de visão. Tornei a ser atingido por um relâmpago divino e me lembrei de onde conhecia o xará: era o Felipe, amigo da Srta. Insegurança, por volta de março ou abril do ano passado, assisti a um show da Juliana, ah, Sinimbal? Sinimbribu? Simbaué?


***

— Sinimbú. Juliana Sinimbú.

— Isso, isso! Muy obrigado, amor da minha vida! Fico te devendo um almoço!


— De tanto almoço que você me deve, posso até montar um restaurante.


— Enfim, como eu estava dizendo...

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