Uma festa muito estranha (iv)

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Eu nem tive tempo de pensar em uma resposta, pois tive minha atenção distraída pelo Andrius e pela Júlia, que retornaram ao jardim e desabaram em cima da Andreza, a qual conversava com o Alfredo.

— Eles estão ficando? — perguntou a Marina para mim.

— São namorados.

— Ah, sim.

Foi então que o Andrius olhou para mim e para a Marina, bem, considerando que ela estava deitada no meu colo, eu entendo perfeitamente sua linha de pensamento e porque fez aquela pergunta: “Vocês estão ficando?”.

— Não, não. — eu respondi.

— Por que não? — Andrius quis saber.

— Artigo número três do Código dos Manos: “Não namore suas amigas. Não fique amigo das suas ex-namoradas”.

— Nada a ver — disse um sujeito de preto cuja presença somente foi notada por mim naquele momento. — Ele (— apontou para o Andrius —) a considerava (— indicou a Júlia —) como uma irmã e olha aí...

— Pois é, isso já aconteceu comigo, eu encontrei uma brecha no Código, acabei me apaixonado por uma amiga querida, ficamos juntos várias vezes, mas, bem, ela teve de ir embora ao final do ano passado, 16 de dezembro. Foi hipertenso.

— Tá bom, né. Você quem sabe...

Não muito depois disso, algumas coisas aconteceram: (a) a Marina se levantou e foi para algum lugar desconhecido por mim, (b) o pessoal decidiu arranjar alguém para o Alfredo, que havia acabado de sair de um namoro de três anos, ficar, e (c) mamãe me ligou, avisando estar lá na frente do Café com Arte, o que foi um tanto inusitado.

Eu me despedi do pessoal, virei o corpo na direção da saída e então me lembrei de que a Marina morava perto de casa e que havia pedido carona, mas, puxa, onde é que a menina havia se metido? A primeira coisa que eu fiz foi pedir para a Júlia ver se estava no banheiro. Não. Depois liguei x vezes para ela. Nada de atender. Fui procurá-la no quintal, só encontrei a Tuani e o Renan. Voltei para a escada que conectava o porão ao andar superior, perguntei ao Alfredo, que era amigo tanto do Raul quanto de uma menina bonitinha que também tinha estudado no Yágizi comigo, mas cujo nome eu sinceramente não me recordo no momento, perguntei a ele se tinha visto à bendita e, para variar, também não tinha visto-a nalgum lugar, sem saber o que fazer, olhei para a Júlia com um olhar idêntico ao de um menino de doze anos.

— Ela não tá com uma amiga dela aqui? Qualquer coisa, volta com ela. Agora vai logo indo antes que a tua mãe seja assaltada.


— OK, OK, ah, me liga quando vocês vierem aqui de novo, OK?


— Tá. Beijo. Tchau.


Eu saí do Café com Arte, entrei no carro, fechei a porta e o som de Kashmir mais uma vez alcançou os meus ouvidos: Marina me ligando. Mandei mamãe desligar o carro. Falei para a menina que já estava indo embora, perguntei se ela queria carona, respondeu que sim, eu desci do carro e fui esperá-la na entrada do lugar, não deixando de notar ao meu lado uma moça de cabelos pretos e com uma camiseta amarela.


“Ah, puxa, o que eu tenho a perder?”.


— É sempre assim tão lotado aqui? — perguntei.


Ela riu. — Primeira vez que você vem aqui?


— É, é.


— Tá, vou te dar os papos — ela disse. — Quando tem festa de Halloween, de Carnaval, Quero Causar, etc, etc, fica lotado, não dá nem pra respirar, mas normalmente é mais sossegado, dá pra curtir.


— Ah, sim. Entendo, entendo. Vem muito aqui?


— De vez em quando.


— Legal.


— Gostou?


— Sim, sim. Muito legal apesar de, uh, parecer um formigueiro — eu vi a Marina lutando para sair do lugar. — Ah, qual é o teu nome mesmo?


— Bruna.


— Felipe — apontei para o meu rosto com o indicador. — Então, uh, te vejo por aí.


— Tá. Tchau.


Coloquei o braço em volta da cintura da Marina, ajudei-a a descer as escadas, daí entramos no carro, mamãe deixou-a na porta da casa dela, a qual fica na mesmíssima rua em que mora um dos antigos chefes do papai, então eu finalmente cheguei aqui em casa, lavei o rosto, troquei de roupa, coloquei o pijama e, bem, cá estou eu te contando tudo que aconteceu nessa noite de 14 de agosto/madrugada de 15 de agosto.


***

— Uma noite e tanto, hein! — disse Coraline.

— E não é!


— É, é. Caramba! Olha a hora!


— Seis da madrugada! Uh, caramba!


— Papai vai me matar se me vir pendurada aqui no computador.


— Mamãe vai me encher a paciência até o fim dos tempos.


— Ah, bom dia e tchau?


— Bom dia, moça. Durma bem. Sonhe com coelhinhos felpudos e gatinhos. Beijos.


— Bom dia, mano. Durma bem também. Sonhe com... Sei lá, sonhe que você veio de Krypton, ou algo assim. Beijos. E, ah...


— Eu conheço esse “E, ah...”, oh, boy, esse “E, ah...” nunca antecede algo bom!


— Você pode dizer aquilo de novo?


— Aquilo o quê?


Aquilo...


— Criatura, eu não durmo há mais de dez horas! Meu raciocínio não está lá muito bom, dá pra ser mais específica, por favor?


— Aquilo que você me disse antes de eu ir embora.


— Ah, sim...


Felipe, em Belém — PA, disse para Coraline, em Varginha — MG.


— “Amor” é uma palavra muito fraca para definir o que eu sinto por você — eu te “armur”, sabe, eu te “avere”, eu te “ammumu”, sim, três vezes a letra “M” e eu também te “squidun” (esse é novo). Até o dia em que eu finalmente encontrar a menina branquinha de cabelos pretos e camisa vermelha do Ramones, você é a única mulher da minha vida.


— Eu também te “squidun”. Beijos. Amo-te.


Coraline ficou offline.


Ele, Felipe Eduardo, desligou o notebook, soltou um bocejo indolente, levantou-se da cadeira, andou alguns passos, abriu a porta do quarto de sua irmã, possibilitando o cachorro de sair dali, pegou o schnauzer em suas mãos, retornou ao seu quarto, deitou em sua cama, fitou o rosto peludo do animal e, como havia feito no mês anterior, fê-lo ser seu ouvinte.


— Sabe de uma coisa cachorro? Eu posso viver reclamando disso e daquilo, mas a verdade é que, apesar de tudo, eu me divirto bastante.

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