Uma festa muito estranha (iii)

Posted by on | |
O Felipe e a Mirna nem deram atenção à minha presença, não posso culpá-los por isso, afinal, é muito mais divertido estar, ah, pegando aqui e ali do que conversar comigo, isso eu não posso negar, a Juliana deu uma de ninja e desapareceu dali e a Júlia, por sua vez, nem acreditou no que estava vendo. Normal, normal. Quem me imaginaria no Café com Arte? Eu mesmo que não.

— Felipe! O que você tá fazendo aqui? Tá sozinho?


— Não, não. Vim com os amigos de uma amiga. Ah, vi o Andrius lá em cima.


— Ah, tá. Eu tô aqui com ele, com a Juliana — porra, cadê a Juliana? A Juliana sumiu!


— Ela deu uma fugida quando me viu. Sem problema.


Talvez ela tenha me escutado quando eu disse isso, porque nesse exato momento decidiu reaparecer ao lado da Júlia.


— Oi, Felipe — pela entonação da sua voz, ela deveria estar com um altíssimo teor de álcool no organismo.


— Oi, Juliana, tudo bem?


— Tudo.


— Então, esse é o Café com Arte.


— Esse é o Café com Arte — disse Júlia. — O que cê tá achando?


— Não é o meu habitat, mas, ah, a gente tem de dar uma chance, né...


— É porque você tá sóbrio — falou Juliana. — Ia curtir muito se estivesse porre.


— Não duvido, mas, oh, bem, é a vida.


— O dia em que você beber tequila, vai descobrir como é bom e vai querer beber até morrer.


— Sim, porque beber até morrer seria um final bastante digno, é verdade.


Pelo canto do olho, notei que a Marina, a Tuani e o Renan vinham em minha direção. Agora que paro para pensar, pergunto-me: onde é que eles estavam antes disso? Bem, acho que não importa, ao menos não para essa história que começou há seis anos.


— Ah, eu quero jelly shot — confessou Júlia.


— Eu quero também! — disse Juliana.


Elas olharam para mim. — Vem com a gente?


— Tá, tá.


Júlia me puxou para dentro da multidão pelo braço direito ao mesmo tempo em que a Marina me puxou para fora da multidão pelo braço esquerdo, por um instante me senti tão elástico quanto o Sr. Fantástico e acabei ao lado da Marina que, logo notei, havia bebido algumas cervejas.


— Olha o que aconteceu comigo porque você não estava me vigiando! Peguei um amigo viado e bebi!


— Pegou um amigo viado?


— Peguei um amigo viado.


— Sério?


— Sério.


***

— Ela pegou um amigo viado?

— Ela pegou um amigo viado!


— Porra! E eu crente que só eu conseguia fazer isso!


— Pois é, mana, acho que você tem concorrência.


— Ah, mas quem é mais bonita: eu ou ela?


— Eu não vou me casar contigo por causa das tuas opiniões “riquíssimas” acerca da crise do Paquistão, ou pelo teu senso de humor refinado, eu vou casar contigo, moça, porque você é linda de morrer.


— É o que toda garota gostaria de ouvir. Obrigado, amorzinho. Fico feliz. Ah, outra coisa: é disso que eu estou falando! Nossas safadezas à parte, eu continuo sendo tua amiga, não era para você ter respondido, era para ter mudado de assunto, ou ignorado a pergunta e dado continuidade ao teu épico.


— Bem, isso não muda o fato que você é linda de morrer. Então, de volta à história...


— De volta a história...


***

Marina me perguntou quem eram aquelas meninas, eu contei que eram minha amiga e a ex-namorada do pequeno mano messiânico e mencionei por alto que elas tinham ido procurar por jelly shot, ao escutar esse termo, os olhinhos da Marina brilharam que nem os de uma menina de doze anos ao ganhar seu primeiro kit de maquilagem, puxou-me pelo braço e me arrastou em busco da mistura de gelatina, vodca e água.

Meu pensamento na hora foi algo como “E a aventura continua!”.


Eu ainda não sei exatamente como, todavia ao invés de encontrar o tal do jelly shot, a gente encontrou uma sala em que havia uma banda tocando, para minha alegria, música boa, isto é, Radiohead. Ah, aí eu perdi a inibição, entrei no ritmo da música (ou quase isso), requebrei o esqueleto, balancei a cabeça, baguncei o cabelo e, mentalmente, soltei um xingamento, “Filho de uma macaca assanhada!”.


O calor, a movimentação e a presença de apenas metade de um pão de queijo no meu estômago culminaram em uma hipoglicemia e, no meio de todo aquele fuzuê, o único bombom que eu tinha trazido havia desaparecido, em outras palavras, eu estava tão fudido (perdão pelo termo de baixo calão) que poderia estrelar um filme pornô.


Eu falei no ouvido da Marina que ia sair, mas já voltava, corri para a fila do bar, dei uma olhadela no refrigerador e identifiquei minha salvação: uma latinha de Guaraná Cerpa, a única, a última. Ergui minha cabeça para o céu, engoli em seco e soltei uma das minhas frases características: “Por favor, universo, não ferre comigo agora”.


L — i — p — e.


Acertei a palma da mão esquerda com força na cabeça e deixei escapar um urro de “Puta merda!”, eu reconheceria aquela vozinha esganiçada e de criança até mesmo no vácuo, onde não há propagação do som: era a Lorena, uma das minhas ex-namoradas que têm alguns motivos para, ah, querer me transformar em um eunuco.


Lorena, anteriormente agarrada a um “seu” menino gorducho, correu para perto de mim, desenhou um sorriso bêbado no rosto — eu nem sabia que ela bebia! —, disse um “Oi” em tom infantil e, bem, enfiou a língua na minha garganta, usou aquela técnica que eu aprendi no livro Nick and Norah’s Infinite Playlist e que você tanto curtia: sugou o meu lábio superior com os lábios dela e colocou a língua no frênulo, o adorável tecido de conexão situado entre a língua e as gengivas.


Então ela disse “Tchau, fofo” e foi embora, deixando-me parado ali, totalmente estupefato e rindo que nem um pateta — ah, caramba, incrível como esse tipo de coisa vive acontecendo comigo! Eu não deveria reclamar, no entanto, esperei uma bofetada digna de arrancar uma cabeça e, ao invés disso, ganhei um senhor beijo! Sorte grande!


Sorte grande que não durou muito. Quando fui atendido, o tiozinho não tinha troco, qual o resultado? Tive de comprar uma latinha de refrigerante e oito garrafinhas d’água. Sim, sim. Esse tipo de coisa só acontece comigo. “Matei” a latinha no balcão do bar mesmo, abracei as águas e estava a ponto de começar a dar cotoveladas para voltar ao cômodo da banda quando vejo a Marina descendo a escada e, provavelmente, indo para o quintal — ah, bem, o que fazer além de segui-la? Eu a encontrei na escada, ofereci uma água, ela recusou, descemos juntos para o quintal e nos reunimos com nosso grupo, digo “nosso grupo” porque o pessoal dela e o meu pessoal havia se misturado, o que, devo dizer, achei muito legal.


Marina se sentou entre o Felipe (com a Mirna em cima dele) e o Andrius e eu me sentei entre a Júlia e outra menina, a qual mais tarde eu descobriria se chamar Andreza, abri uma água para mim e outra para Júlia, ficamos conversando sobre nada de muito interessante até o fantástico momento em que uma criatura bêbada caiu em cima de mim: era a Juliana.


O Andrius, todo risonho e apontando para mim e para ela, perguntou: “Vocês já ficaram hoje?”.


— Deus, não! — respondi de imediato. — Não, não, não!


Sabe, moça, eu levo tão a sério o artigo número um do Código dos Manos, isto é, “Manos antes de minas. Simples assim” que, embora o relacionamento do pequeno mano messiânico e da Juliana já tenha terminado há tempos, no instante em que ela se sentou no meu colo, a ereção me dada pela Lorena desapareceu. Eu sei que você não precisava saber disso, mas, ah, considere isso como minha vingança por ter me dito que você e o mentecapto do André brincaram de fazer neném sem fazer neném.


Meus ouvidos captaram a voz do Robert Plant cantando I am a traveler of both time and space / To be where I have been, empurrei a Juliana para o lado, peguei o celular e atendi-o, era mamãe querendo saber se eu ainda estava vivo e sóbrio, no tempo gasto por mim tentando falar com mamãe e escutá-la, Juliana puxou a Júlia e foi dar uma volta com ela, desliguei o celular e fui conversar com o Andrius, o qual age de um jeito para lá de engraçado quando está, ah, ébrio.


— Bebendo água por quê?


— Ah, porque eu estou com sede.


— Álcool te faz mal?


— Oh, você não tem ideia do quanto... — como você é de dar pena em Biologia, vou te explicar: a concentração de álcool no sangue é inversamente proporcional a de glicemia, logo beber destilados é o mesmo que gritar “Eu quero ficar hiplogicêmico!”.


Ele acendeu um cigarro, colocou na boca, deu uma tragada e expeliu, por acidente, uma baforada de fumaça no meu rosto.


— A gente tem que passar esse ano, cara — é, o Andrius também quer Medicina. — Pr’a gente ser colega de turma, cara.


— Eu volto segunda-feira para o Physics.


— Eu tô no Universo mesmo. Creio que esse ano eu finalmente passo.


— Legal. Ponho fé em ti. Pô, a Júlia diz que você é muito inteligente.


— Pois é, né — então, eu ainda não sei receber elogios. — Pô, eu também ponho fé em ti, cara.


— Eu ponho mais fé na Júlia — riu. — Ela é nerd, hah, hah.


Andrius se levantou e foi atrás da namorada, eu me movi para ocupar o lugar dele, Marina, que até então estava conversando com um carinha, Alfredo, se deitou no meu colo e me introduziu no assunto, eu confesso não ter prestado muita atenção no que a gente estava conversando, por isso não sei dizer qual é o assunto, eu me lembro, no entanto, que o Felipe e, por sua vez, a Mirna saíram do quintal para fazer coisas que eu não quero nem pensar, colocando-nos no campo de visão da Tuani e do Renan.


— E o Zé? — perguntou Tuani para mim.


***

— Zé? O pedreiro da tua avó?

— Não. Zé de José Saramago. Uma vez a gente estava conversando, daí ela falou que o espírito do José Saramago estava do lado dela. Nada demais.


— Então, uh, ela conhece a literatura do José Saramago?


— No mínimo, ela conhece aquele livro, Objecto Quase.


— Ela tem namorado, não tem?


— Sim, sim. Renan. Cara legal.


— Certo, certo. Você está proibido, entendeu? Eu te proíbo.


— Proibido de que, criatura?


— De dar em cima dela. Ela tem namorado.


— Eu NUNCA daria em cima de uma menina que tem namorado... De novo. Ah, qual é, moça, me dê um pouco de crédito, eu não quero nunca mais viver aquele tipo de confusão!


— Ótimo pensamento, continue assim, porque se eu descobrir que você saiu um dedinho da linha e caiu em tentação, pego o meu bonequinho vodu e enfio agulhas no teu saco.


— Você será uma ótima mãe para os nossos filhos altamente disfuncionais. Posso continuar minha história? Está no final.


— Tá, continua.

0 comentários:

Postar um comentário